O ano hidrológico 2019/20 começou com quase todo o território em situação de seca meteorológica. Nos meses seguintes, devido aos valores de precipitação acima da média nos meses de novembro e dezembro, verificou-se uma diminuição gradual da área e da intensidade da seca meteorológica. No final do período chuvoso (março de 2020) apenas as regiões a sul do Tejo mantiveram-se em seca meteorológica, com um agravamento da intensidade entre janeiro e março.
No início do período seco, devido aos valores elevados de precipitação, verificou-se um novo desagravamento da situação de seca. No entanto entre junho e setembro voltou a aumentar área do território em seca meteorológica, sendo de salientar as regiões do Baixo Alentejo e Algarve que mantiveram-se sempre em seca durante todo o ano hidrológico.
No entanto, no início do novo ano hidrológico, 2020/21, verificou-se um novo desagravamento da situação de seca. Na primeira metade deste ano (semestre húmido) não se verificou situação de seca meteorológica na maior parte do território, apenas alguns locais da região Sul estiveram na classe de seca fraca. Na segunda metade do ano hidrológico (semestre seco) verificou-se um aumento gradual da área e da intensidade da situação de seca, sendo de salientar os meses de maio a agosto com as regiões do Baixo Alentejo e Algarve nas classes de seca moderada a severa. No final do ano hidrológico, em setembro, verificou-se uma diminuição da área e da intensidade da seca meteorológica em Portugal continental.
Seca
A seca é uma redução temporária da disponibilidade de água, devida a precipitação insuficiente, sendo uma catástrofe natural com propriedades bastante específicas. De uma maneira geral é entendida como uma condição física transitória, associada a períodos mais ou menos longos de reduzida precipitação, com repercussões negativas nos ecossistemas e nas atividades socioeconómicas.
A duração de uma precipitação anomalamente reduzida, bem como a amplitude dos seus desvios da normal climatológica, determinam a intensidade de uma seca e a extensão dos seus efeitos a nível das reservas hidrológicas, das atividades económicas em geral (incluindo a agricultura), do ambiente e dos ecossistemas.
Em geral, distingue-se entre seca meteorológica, seca agrícola e seca hidrológica, não dissociadas dos impactos socioeconómicos e ambientais que dela advêm:
- Seca meteorológica - Associada à não ocorrência de precipitação, define-se como a medida do desvio da precipitação em relação ao valor normal (média 1971-2000) e caracteriza-se pela falta de água induzida pelo desequilíbrio entre a precipitação e a evaporação, a qual depende de outros elementos como a velocidade do vento, temperatura, humidade do ar e insolação. A definição de seca meteorológica deve ser considerada como dependente da região, uma vez que as condições atmosféricas que resultam em deficiências de precipitação podem ser muito diferentes de região para região.
- Seca agrícola – Associada à falta de água causada pelo desequilíbrio entre a água disponível no solo, a necessidade das culturas e a transpiração das plantas. Este tipo de seca está relacionado com as características das culturas, da vegetação natural, ou seja, dos sistemas agrícolas em geral.
- Seca agrometeorológica – Conjugação dos conceitos de Seca Meteorológica e de Seca Agrícola, uma vez que existe uma relação de causa-efeito entre elas. Desta forma, a falta de água induzida pelo desequilíbrio entre a precipitação e a evaporação irá ter consequências diretas na disponibilidade de água no solo e consequentemente na produtividade das culturas.
- Seca hidrológica - Associada ao estado de armazenamento das albufeiras, lagoas, aquíferos e das linhas de água em geral. A seca hidrológica está, assim, relacionada com a redução dos níveis médios de água superfíciais e subterrâneas e com a depleção de água no solo. Este tipo de seca está normalmente desfasado da seca meteorológica, dado que é necessário um período maior para que as deficiências na precipitação se manifestem nos diversos componentes do sistema hidrológico.
É importante distinguir o conceito de seca do conceito de escassez. Escassez de água é a carência de recursos hídricos disponíveis face ao que seriam os suficientes para atender às necessidades de uso da água numa região. A escassez de água pode ser um resultado de dois mecanismos: físico ou económico. O primeiro é resultado da inexistência de recursos hídricos naturais suficientes para atender à procura de uma região. Escassez económica é o resultado de uma ineficiente gestão dos recursos hídricos disponíveis como, por exemplo, a existência de valores elevados de perdas em redes de distribuição, seja no regadio ou em abastecimento público para consumo humano e o caso de países ou regiões onde naturalmente existe água suficiente para satisfazer os diferentes usos, mas não existem os meios para fornecê-la de uma maneira acessível.
Os impactes socioeconómicos e ambientais da seca estão associados ao efeito conjunto dos impactes naturais e sociais que resultam em falta de água, devido ao desequilíbrio entre a procura e a oferta dos recursos de água. De uma forma mais específica, é o desequilíbrio entre a precipitação natural, o sistema climático e as atividades humanas socioeconómicas. A seca socioeconómica ocorre quando o decréscimo de disponibilidade de água é de tal ordem acentuado que tem consequências negativas nas pessoas e nas atividades económicas, ou seja, na sociedade em geral.
Na gestão de um sistema de prevenção, monitorização e coordenação de situações de seca, deverão ser utilizadas metodologias diferentes consoante o tipo de seca que ocorra.
Devem adotar-se como variáveis instrumentais:
- No caso de Seca Agrometeorológica, a precipitação, a temperatura, as condições de humidade no solo, o Estado das Culturas e Previsão das Colheitas, o Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA) e a Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA).
- Na Seca Hidrológica, os escoamentos nos cursos de água, os volumes armazenados em reservas superficiais (albufeiras com capacidade de armazenamento de água, sem portanto, incluir aproveitamentos a fio d’água, albufeiras com uso privado ou albufeiras com capacidades de regularização diminutas) e os níveis piezométricos de sistemas aquíferos, apoiado pelo Programa de Vigilância e Alerta de Secas (PVAS).
Em Portugal, a monitorização da seca meteorológica é realizada, pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), através do Índice Palmer ou PDSI (Palmer Drought Severity Index) e do índice SPI (Standardized Precipitation Index).
O índice PDSI baseia-se no conceito do balanço da água, tendo em conta dados de quantidade de precipitação, temperatura do ar e capacidade de água disponível. A aplicação deste índice permite detetar a ocorrência de períodos de seca e classifica-os em termos de intensidade (fraca, moderada, severa e extrema).
O índice SPI quantifica o défice ou o excesso de precipitação em diferentes escalas temporais, que refletem o impacte da seca nas disponibilidades de água. As menores escalas, até 6 meses, remetem à seca meteorológica e agrícola (défice de precipitação e de humidade no solo, respetivamente) e entre 9 e 12 meses à seca hidrológica com escassez de água refletida no escoamento superficial e nas albufeiras.
PDSI | Classes de seca | SPI |
---|---|---|
4.00 ou superior | chuva extrema | 2.00 ou superior |
3.00 a 3.99 | chuva severa | 1.50 a 1.99 |
2.00 a 2.99 | chuva moderada | 1.00 a 1.49 |
0.50 a 1.99 | chuva fraca | 0.99 a 0.50 |
0.49 a -0.49 | normal | 0.49 a -0.49 |
-0.50 a -1.99 | seca fraca | -0.50 a -0.99 |
-2.00 a -2.99 | seca moderada | - 1.00 a -1.49 |
-3.00 a -3.99 | seca severa | - 1.50 a -1.99 |
-4.00 ou inferior | seca extrema | - 2.00 ou inferior |
Os níveis de alerta para a seca agrometeorológica correspondem às seguintes descrições dos índices PDSI e SPI:
- Nível A.1 – “Pré-Alerta”: PDSI em seca moderada e SPI fraca a moderada;
- Nível A.2 – “Alerta”: PDSI em seca severa e SPI moderada a severa;
- Nível A.3 – “Emergência”: PDSI em seca extrema e SPI moderada a severa.
A seca hidrológica é avaliada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) através da monitorização das massas de água. A evolução mensal dos níveis de armazenamento das albufeiras, da precipitação e do escoamento e a sua comparação com as séries históricas permite aferir se existe seca hidrológica. Por outro lado, face às diferenças hidrológicas significativas existentes em Portugal, a identificação de seca hidrológica numa determinada região não significa que esta seca exista em todo o território nacional, ou que a sua severidade seja de igual magnitude.
Esta análise dos dados é feita automaticamente pela APA, com base nos dados das redes hidrometeorológicas do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) aquando da elaboração dos boletins mensais. Esta monitorização constitui o primeiro elemento de medida do controlo das disponibilidades hídricas existentes, servindo para avaliar a eficácia das medidas de planeamento e da eficiência das medidas de gestão, e constituindo também um meio de disponibilização direta da informação recolhida às entidades interessadas.
Assim, ao longo do ano hidrológico (período de 12 meses compreendido entre o início de duas estações de chuva consecutivas, para permitir uma comparação mais significativa dos dados – em Portugal, tem início em outubro de cada ano e termina em setembro do ano seguinte) é realizada uma avaliação global em quatro momentos temporais: final de janeiro e de março (análises intermédias), final de maio (confirmação da eventual seca) e final de setembro (análise estatística da seca).
bacia | ARMAZENAMENTO (%) - NÍVEL H.2 | |||
---|---|---|---|---|
31 Janeiro | 31 Março | 31 Maio | 30 Setembro | |
LIMA | 50 a 55 | 55 a 60 | 50 a 60 | 45 a 50 |
CÁVADO | 60 a 65 | 65 a 70 | 50 a 55 | 45 a 50 |
AVE | 55 a 60 | 60 a 65 | 55 a 60 | 40 a 45 |
DOURO | 60 a 65 | 65 a 70 | 55 a 60 | 45 a 50 |
MONDEGO | 55 a 60 | 60 a 65 | 60 a 65 | 45 a 50 |
RIBEIRAS OESTE | 60 a 65 | 65 a 70 | 50 a 55 | 35 a 40 |
TEJO | 55 a 60 | 55 a 60 | 60 a 65 | 50 a 55 |
SADO | 40 a 50 | 40 a 50 | 50 a 55 | 30 a 35 |
MIRA | 50 a 55 | 55 a 60 | 60 a 65 | 50 a 55 |
GUADIANA | 60 a 65 | 65 a 70 | 55 a 60 | 55 a 60 |
ARADE | 25 a 30 | 20 a 25 | 15 a 20 | 10 a 15 |
BARLAVENTO | 50 a 55 | 50 a 55 | 55 a 60 | 40 a 45 |
Aos níveis de alerta correspondem as seguintes descrições:
- Nível H.1 – “Pré-Alerta”: Precipitação abaixo do normal provocando ligeiro desvio face à média do nível das reservas hídricas;
- Nível H.2 – “Alerta”: Agravamento dos sinais prenunciadores de seca afetando os normais níveis das reservas hídricas;
- Nível H.3 – “Emergência”: Persistência e agravamento da situação de Seca.
As disponibilidades hídricas subterrâneas desempenham um papel particularmente importante nos períodos de seca devido à sua capacidade de regularização inter-anual, conseguindo os sistemas aquíferos continuar a suprir necessidades de água de vários sectores de atividade. Contudo, caso a diminuta precipitação se prolongue durante mais tempo, as reservas subterrâneas diminuem, uma vez que não há reposição da água subterrânea através da recarga.
Em função das disponibilidades hídricas subterrâneas, monitorizadas em quatro momentos de cada ano hidrológico – outubro, janeiro, abril e julho -, é averiguada da pertinência de se adotarem medidas em termos de gestão de águas subterrâneas. Assim, atendendo às disponibilidades hídricas nos quatro momentos referidos, identificam-se as massas de água em situação crítica e as massas de água em situação de vigilância. As situações críticas dizem respeito a massas de água onde persistem, ao longo do corrente ano hidrológico, níveis inferiores ao percentil 20, pelo que urge a aplicação de medidas preconizadas no âmbito da seca. As situações sob vigilância referem-se a massas de água onde se observam descidas significativas do nível de água subterrânea, pelo que, merecem especial atenção.
Mais informação sobre as disponibilidades hídricas superficiais e subterrâneas pode ser encontrada na ficha temática disponibilidades de águas superficiais e subterrâneas.
Esta ficha temática diz respeito a Portugal continental e será atualizada anualmente.
Dispor de um Sistema de Previsão e Gestão da Seca que permita, com a colaboração das entidades envolvidas, fazer face atempadamente aos potenciais impactes da seca, através da implementação das medidas afetas a cada nível de alerta.
A aplicação do índice PDSI permite detetar a ocorrência de períodos de seca meteorológica e classifica-os em termos de intensidade.
Distribuição espacial do índice meteorológico de seca PDSI no ano hidrológico 2019/2020

Distribuição espacial do índice meteorológico de seca PDSI no ano hidrológico 2020/2021

Percentagem de água no solo (média 0-100 cm profundidade), em relação à capacidade de água utilizável pelas plantas a 31 outubro de 2019, a 31 março 2020 e a 30 setembro 2020

Extensão territorial da seca nos anos hidrológicos 2019/2020 e 2020/21 (% do território de Portugal continental por classe do índice PDSI)
Em outubro 2019 grande parte do território estava em seca fraca, seguindo-se uma diminuição gradual nos meses seguintes, no entanto de salientar ainda os meses de fevereiro e março 2020 com mais de 40% do território em seca moderada a extrema. A partir de junho voltou a aumentar área do território em seca meteorológica e no final de setembro 66% estava em seca fraca a moderada. Verificou-se novo desagravamento entre outubro 2020 e março de 2021, voltando a partir de abril e até final de agosto, a aumentar gradualmente a área e a intensidade da seca meteorológica. A 30 de setembro 2021 verificou-se uma diminuição, terminando o ano hidrológico com 43% do território em seca (classes seca fraca e moderada).
Distribuição espacial do índice de seca SPI nas escalas de 3, 6, 9 e 12 meses no final do ano hidrológico, setembro 2020

Extensão territorial de secas a 30 de setembro (% do território de Portugal continental por classe do índice PDSI)
Comparando a percentagem de território em cada uma das classes de seca, de acordo com o índice PDSI, no final de setembro de 2019 e de 2020 (final do ano hidrológico) com o período homólogo dos anos de seca meteorológica anteriores em Portugal continental, observa-se que a situação não era muito severa em comparação com os anos anteriores, terminando 2019 com 66 % do território em seca e 2020 com 43 % (classes de seca fraca e moderada).
A ausência de precipitação não determina de imediato o início de seca hidrológica, uma vez que a existência de albufeiras com capacidade de armazenamento e a recarga dos aquíferos permite beneficiar de alguma resiliência.
A verificação da existência de seca hidrológica é realizada em quatro momentos temporais: final de Janeiro e de março (análises intermédias), final de maio (confirmação da eventual seca) e final de setembro (análise estatística da seca).
Armazenamento nas Bacias Hidrográficas de 30 de setembro de 2019 a 30 de setembro de 2020

Distribuição temporal dos desvios de armazenamento relativamente à média para os momentos de avaliação de 2020
Instituto Português do Mar e da Atmosfera – https://www.ipma.pt/
Agência Portuguesa do Ambiente – https://apambiente.pt/agua
Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos – https://snirh.apambiente.pt/